Pinceladas 5 – A ressurreição de Grünewald

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A Ressurreição do Retábulo de Isenheim, de Matthias Grünewald

c. 1515. Técnica: óleo sobre madeira. Dimensões: 2,69m x 1,41m – Local: Museu Unterlinden, Colmar, França

Páscoa vem do hebraico “Pessach”, que significa “passagem”. No cristianismo, é Jesus Cristo fazendo a passagem da morte para a vida. É a vitória do Bem, que morre mas renasce e vence a luta contra o Mal. O cristianismo coloca essa luta e essa vitória no centro da sua teologia.

A cena ressurreição teve um desenvolvimento em sua representação desde os primeiros séculos depois de Cristo, mas vamos nos deter na arte italiana entre os séculos XIV e XVI, até chegar na arte alemã que a obra de hoje representa. A grosso modo, observamos duas formas principais: a do Cristo vitorioso, em pé, saindo do túmulo mas apoiado no solo, e a outra, do Cristo “pairando”, “levitando” sobre o sepulcro. Nesta última, a cena funde a Ressurreição com a Ascensão de Cristo.

É o caminho que Matthias Grünewald seguiu para mostrar o Cristo ressuscitado no Retábulo de Isenheim. Esse retábulo, confeccionado por volta de 1515, possui nove paineis e é uma das obras-primas do Renascimento alemão. A “Ressurreição” é um desses nove paineis.

Para nós, é interessante saber que a principal função desse retábulo foi pedir milagres para os doentes das epidemias e pestes que assolaram a Europa de tempos em tempos, desde o século XI.

Na imagem, o Cristo levita sobre o túmulo aberto. É uma sepultura estilo europeu, e não cavada na rocha, com uma pedra tampando a entrada, como descrita nos Evangelhos. A rocha ao fundo é mais um cenário do que uma referência. O artista quis imprimir movimento ao Ressuscitado, estendendo os tecidos que o envolviam enquanto morto saindo de dentro da sepultura, como estivessem se desenrolando em torno do seu corpo.

Grünewald mostra Jesus com o corpo numa cor impossível, um branco de alvura luminosa, transparente. Embora seja madrugada e o céu ainda esteja estrelado, não é o círculo da Lua que aparece atrás do Cristo, muito menos de um sol que nasce, e sim, de um sol que irradia do próprio Ressuscitado. O contraste entre o amarelo, o laranja e o azul marca uma luz para nós estranha, que estamos mais acostumados às imagens do renascimento italiano. Mas é uma forma de simbolizar Cristo como um novo Sol, transcendente, que ilumina a todos de forma visível e invisível. Também é uma referência ao livro do Apocalipse (22:16), onde Cristo refere-se a si mesmo como a “Estrela da Manhã”, que ressuscita na madrugada do sábado para o domingo. A luz amarela do centro do “sol” é tão intensa, que inunda a parte superior do seu corpo, a ponto de discernirmos somente alguns traços do contorno do seu rosto.

Esse círculo luminoso também refere-se às mandorlas, que na arte sacra cristã é uma forma muito comum de mostrar uma auréola de corpo inteiro, e não somente na cabeça. A ação de Jesus sair do túmulo, levitando – parece que ele acabou de sair, os tecidos estão tremulando, as franjas flutuando – nos dá a impressão que causou a abertura da tampa do sepulcro e a queda dos guardas. Parece mesmo que essa ascensão foi tão rápida e impestuosa que os fez cair violentamente – ou eles estariam no chão por conta de uma luta – talvez com anjos?

A arte de Grünewald realiza o que o renascimento italiano já havia alcançado – unir o realismo da arte da Antiguidade greco-romana, o ponto de vista humano, com a mensagem cristã, o ponto de vista divino. Mas nas imagens do Retábulo de Isenheim, e mais especificamente, neste painel da Ressurreição, ele mostra a visão mais mística do norte da Europa, menos realista e mais simbólica.

Que esta imagem do Cristo glorioso, renascendo no meio de uma luz estranha, no fim da noite, anunciando um novo dia para a Humanidade, seja mais uma mensagem de esperança em meio à noite escura que vivemos agora.

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