Crítica à 27.a Mostra Almeida Junior – Piracicaba
Crítica à 27a Mostra Almeida Júnior 2015
Por Fábio San Juan
Fotos: Antonio Donizete Raetano
Fui visitar a 27.a Mostra Almeida Júnior na Pinacoteca Municipal de Piracicaba, animado pela lembrança do bom nível que a Mostra apresentou em 2014.
Estava com a boa lembrança da Mostra Primavera, também organizada pela Apap – Associação Piracicabana de Artistas Plásticos, no fim do ano passado. Tinha em mente o Salão de Aquarelas, encerrado há menos de dois meses. Neste dia, antes de chegar à Pinacoteca, vinha do Sesc, após ter visitado a exposição retrospectiva do artista Claudio Tozzi, com obras muito belas e instigantes.
Após a visita, não há como dizer que a Mostra deste ano foi melhor que a de 2014. Em 2015, vários problemas prejudicaram o salão promovido pela Apap.
Entendo que o trabalho para organizar exposições como a Mostra Almeida Júnior é cansativo, ainda mais se tratando de uma Mostra competitiva. Sei porque já fiz parte da comissão organizadora de Mostras desse tamanho, inclusive da própria Mostra Almeida Júnior, na década de 1990, na gestão do então presidente Lauro Pinotti.
Pretendo, neste texto, falar desses problemas, para contribuir com um olhar “de fora”. Minha intenção não é atacar ninguém nem destruir o trabalho da Associação, nem da comissão organizadora do evento, muito menos dos artistas.
Critérios
Deve haver mais cuidado dos artistas que enviam trabalhos à seleção da Mostra “Almeida Junior”. A Mostra não deveria ser um “tapa-buracos”, no sentido de se acrescentar uma Mostra no seu currículo. Pois até os artistas que possuem um ótimo trabalho não enviaram os seus melhores trabalhos para essa Mostra. Isso fica evidente ao compararmos as obras selecionadas na Mostra com trabalhos dos artistas enviados a salões como o de Belas-Artes.
Se nossa cidade apresenta um rol de artistas excelentes, e se a Mostra “Almeida Júnior” é mais uma oportunidade de Mostrar esse fato, devemos aproveitá-lo. Pelo contrário, a Mostra apresenta mais da metade de seus trabalhos com trabalhos mal-executados, técnica do óleo, aquarela ou acrílica inadequada, sérios problemas de desenho que não podem ser chamados de “distorção expressiva” – a questão mesma é falta de conhecimento técnico.
Outro fato que limita muito o trabalho do júri é ele ser obrigado a selecionar uma obra de cada associado que se inscreve na Mostra. Essa regra do regulamento da Mostra, embora prevista até no estatuto da Apap, não garante qualidade. O que vemos no “Almeida Júnior” são obras de extremo primor técnico ao lado de obras de nível ainda de aprendiz. O que não desmerece o aprendiz, somente o preserva de comparações injustas. Afinal, é justo comparar uma obra de um artista que pinta há dois anos com um que pinta há quarenta?
A falta de observância desse critério – artistas de propostas semelhantes expostos juntos – é revelada numa outra regra do regulamento da Mostra: a divisão de todas as obras em apenas duas categorias, acadêmico e contemporâneo.
A divisão em apenas duas categorias leva a encaixes forçados de propostas distantes entre si numa mesma categoria. Há distorções nas premiações de uma obra naïf (“Vida no Campo”, de Leda Senatori, óleo sobre tela, Menção Honrosa), outra de linha acadêmica na categoria “contemporâneo” (“Silêncio”, de Marcos Sabadin, carvão sobre papel, Medalha de Prata), outra de fotografias (“Amuleto” e “Religare”, de Rosy Jesus Vaz, Menções Honrosas), e uma obra neo-impressionista / macchiaioli na categoria “acadêmico” (“Fazenda dos Pardi”, de João Benatti, acrílica sobre tela, Medalha de Ouro). As obras citadas têm qualidade, não é o caso de não terem sido premiadas; mas esse enquadramento em categorias “camisas-de-força” é um fato que ao invés de esclarecer o público e os próprios artistas, favorece mais a confusão.
O trabalho de conscientização dos artistas dentro da Apap existe e é muito louvável, como a realização de palestra em 2014 com Patrícia Alexandra Scalon de Almeida sobre suporte de obras. Esse trabalho de conscientização do artista quanto aos meios técnicos e conteúdo de sua obra é lento e deve continuar, para que os problemas apontados acima desapareçam ou sejam minimizados no futuro.
Obras de destaque
Além das obras já citadas, gostaria de comentar os seguintes trabalhos:
Lucia Ricobello, com sua bonita obra “A chuva chegou”, uma pintura em que o efeito da chuva é honestamente retratado com uma técnica adequada.
Todos os trabalhos de Maria Gobet são irrepreensíveis: a sua técnica de patchwork, vinda do artesanato, adequa-se muito bem à tradição paisagística de nossa cidade, embora, ao contrário do que muitos afirmam, não sejam trabalhos acadêmicos.
Paulo Vasconcellos apresenta-nos sua pesquisa na arte abstrata geométrica com a expansão de quadrados que lembram pixels de fotos aumentadas em computadores. Consideramos no entanto que a expressão geométrica de Vasconcellos ofereceu melhores resultados em pintura acrílica, em exposições passadas, do que a técnica da impressão digital (plotagem) em PVC.
Fabio Andrade é uma surpresa com o seu quadro “Arte Pensil”, com uma interessantíssima ilustração do conceito “seu mundo é aqui”, fazendo o rio de Piracicaba, com seus ícones – Ponte Pensil, Engenho Central, Casa do Povoador, etc. – como se fosse um planeta. Somente a representação da água do rio ficou prejudicada, mas não chega a prejudicar a ideia excelente.
Vera Gutierrez nos surpreende com uma construção geometrizada de uma paisagem, uma obra figurativa geométrica com composição cromática e visual muito instigantes.
Regina Pasqualin Villara Goulart apresenta-nos dois trabalhos com forte referência na ilustração editorial mas com um domínio muito preciso da pintura.
Rubens Zilio mostra sua dedicação ao estudo do desenho realista em seus trabalhos de nus.
Entre as aquarelas de qualidade, destaca-se o trabalho de Elizabeth Laky Gatti, vencedor da Medalha de Bronze na categoria “acadêmico” (artista que apresentou trabalhos muitíssimo melhores que os selecionados no I Salão de Aquarelas de Piracicaba), Silvia Dionisio e Luiz Gobeth Filho, sempre competente.
A melhor das três obras de Marcelo Araújo é “Armistício”, que se beneficia do seu trabalho ao ar livre, que anda intenso nos últimos tempos. As manchas em maior número conferem um efeito atmosférico ao quadro, uma preocupação com a luminosidade e sombras nas nuvens, alcançando um resultado de grande beleza.
Uma observação: a menção “hours concours” (“fora da competição”, em francês) não deve ser um prêmio, e sim uma indicação que o artista está fora da competição do salão. Indica uma grande honraria pois reconhece que o artista não pode mais concorrer com os outros pelo nível excelente de qualidade. O artista Marcelo Araújo merece a menção, mas foi um equívoco conferir-lhe um “prêmio hours concours”, uma expressão que contradiz a si mesma.