Visita Virtual à Capela Sistina vídeo 04
O 4.o vídeo da série sobre a Capela Sistina analisa o afresco do “Juízo Final”, de Michelangelo.
Visita Virtual à Capela Sistina vídeo 04
Este é o 4.o, da sequência de 04 vídeos sobre a Capela Sistina, na qual o prof. de História da Arte Fábio San Juan realiza sua visita virtual e explica essa obra-prima da arte universal.
Neste vídeo, ele apresenta e analisa a obra-prima final de Michelangelo dentro da capela: o afresco representando o Juízo Final.
Link para o Vídeo / Artigo 01: apreciandoarte.com.br/visita-virtual-a-capela-sistina-video-01
Link para o Vídeo / Artigo 02: apreciandoarte.com.br/visita-virtual-a-capela-sistina-video-02
Link para o Vídeo / Artigo 03: apreciandoarte.com.br/visita-virtual-a-capela-sistina-video-03
Link para a Visita Virtual no site dos Museus Vaticanos: http://www.museivaticani.va/content/museivaticani/it/collezioni/musei/cappella-sistina/tour-virtuale.html
Link para a Visita Virtual direto no site do Vaticano: https://www.vatican.va/various/cappelle/sistina_vr/index.html
Assista ao vídeo 04 abaixo:
Transcrição do vídeo
Olá! Aqui Fábio San Juan, professor de História da Arte. Estamos numa sequência de 04 vídeos, fazendo uma visita virtual à Capela Sistina, explicando a sua decoração. Se você chegou aqui direto sem ver os três primeiros vídeos, vá até a descrição deste vídeo e clique nos links. Aproveite e se inscreva no nosso canal, e se gostar dê um like, certo?
Neste vídeo, vamos falar um pouco sobre o grande afresco do Juízo Final, feito por Michelangelo Buonarrotti.
Para fazer esse afresco enorme, três grandes afrescos – as primeiras cenas dos ciclos de Moisés e de Cristo, além do grande painel da Assunção da Vigem Maria – além dos dois primeiros papas da série dos 30 primeiros papas, todos parte da decoração original da equipe de Perugino, tiveram que ser destruídos, além de duas lunetas pintadas por Michelangelo, com ancestrais de Cristo. Ainda tiveram que ser tampadas duas janelas, para tornar a parede completamente lisa e de tamanho suficiente para o grande projeto do artista.
Foi Clemente VII quem contratou o artista. Numa conversa entre os dois, registrada em 1533, o papa queria que Michelangelo pintasse duas cenas: sobre a parede do altar, o Juízo Final, e sobre a parede da entrada a Queda de Lúcifer e dos anjos rebeldes. Depois que o contrato foi fechado, logo depois o papa morreu, antes do início do trabalho. O pontífice seguinte, Paulo III, manteve o contrato. Novamente Michelangelo não queria começar o trabalho pois queria terminar o mausoléu de Julio II, que ainda não tinha terminado e que seria a encomenda de uma vida, e que não terminaria nunca. Afinal, Paulo III o convenceu, dotando Michelangelo de uma pensão vitalícia, para compensar o salário que recebia da família de Julio II. Levou perto cinco anos para concluir o trabalho, de 1535 a 1541, com interrupções como o tempo em que quebrou uma perna caindo de um andaime, durante a pintura, e que teve que interrompê-la para se curar.
O afresco ocupa inteiramente a parede do altar e mede 13,7 m de altura por 12,2 m de largura. A cena retrata o Julgamento Final da Humanidade por Cristo, descrito no capítulo 25 do Evangelho segundo São Mateus. Esse julgamento, segundo a teologia cristã acontecerá no fim dos tempos, com Cristo como Juiz, separando os bons dos maus.
Ao contrário do teto, em que havia ilusionismo num jogo dos personagens com elementos arquitetônicos, a cena do Juízo Final é mostrada em campo totalmente aberto, como se a parede tivesse sido explodida e mostrasse o drama do fim dos tempos entrando pela capela. A composição, embora tenha como ponto de partida o relato do Evangelho de São Mateus, não mostra claramente a divisão entre bons e maus; Michelangelo torna a cena ambígua, ao não colocar limites precisos entre pecadores e santos.
Cristo está no centro, sentado em um trono de nuvens. Atrás dele uma luz intensa, em formato que lembra as mandorlas, estruturas em forma de amêndoa, muito comuns nas representações de Cristo e de Nossa Senhora na Idade Média. As feições de Cristo, sem barba nem bigode, mais a luz intensa, fazem lembrar mais o deus Apolo Helios, divindade do sol na Antiguidade, do que a figura tradicional de Jesus. Sua mãe Maria, ao seu lado, em vez de ser mostrada em seu papel de intercessora da humanidade, como um dos seus primeiros esboços propunha, apenas olha para baixo, como se contemplando a ressurreição dos mortos na parte inferior da figura. Talvez o artista quisesse enfatizar que nesse momento tenha passado o tempo da Virgem interceder pelos seres humanos, estando Cristo já em pleno julgamento. Cristo ergue a mão direita, como se a pedir atenção, ou talvez seja algum gesto de benção, ou ainda, algum gesto a mostrar seu poder.
Dos dois lados de Cristo, há a multidão dos justos, que como disse há pouco, se confunde com os grupos de pessoas que estão ressuscitando na parte inferior da pintura. Há vários grupos de eleitos, os santos, identificáveis pelos seus atributos. Assim, à esquerda de Cristo, podemos identificar São Pedro, com os braços estendidos devolvendo as chaves papais; São Bartolomeu, que tendo morrido esfolado, carrega sua pele estendida; as feições nessa pele tradicionalmente são identificadas como sendo as de Michelangelo; Santa Catarina de Alexandria, com a roda dentada, e quebrada, do seu martírio; São Sebastião, com as flechas enfeixadas em sua mão esquerda; e muitos outros.
Acima dos eleitos, no espaço antes ocupados pelas lunetas, dois grupos de anjos sem asas levam os instrumentos da Paixão de Cristo: a cruz e a coroa de espinhos, à sua direita, e o pilar da flagelação, à sua esquerda.
Abaixo dos eleitos, perto do centro, o grupo dos anjos, arautos do fim dos tempos, portando trombetas, à direita com um anjo portando o livro dos eleitos, e outro à esquerda, lendo o livro dos condenados. Enquanto que abaixo, a cena mostra à esquerda a ressurreição dos mortos, à direita os condenados são levados ao inferno por Caronte em sua barca, carregando um remo numa posição ameaçadora, como que batendo com ele nos seus passageiros. Essa junção da mitologia grega com a escatologia cristã já tinha sido feita por Dante Alighieri, em sua Divina Comédia, que Michelangelo conhecia bem, assim como seus contemporâneos. Minos, o juiz do mundo subterrâneo, aguarda na entrada da caverna do mundo infernal, retratado com a fisionomia de Biaggio da Cesena, mestre de cerimônias do papa, que criticou o Juízo Final enquanto ainda era pintado por mostrar muitas personagens nuas. Ele é retratado com orelhas de burros e uma serpente cobrindo-lhe os genitais.
A nudez da maior parte das figuras motivou um movimento que somente começou com da Cesena. Ele afirmou que “foi muito vergonhoso que em um lugar tão sagrado tenham sido retratadas todas aquelas figuras nuas, expondo-as tão vergonhosamente” e que essa exposição teria sido mais apropriada “em banhos públicos ou em tavernas”. Quando ele reclamou com o papa que Michelangelo tinha o retratado como Minos, o pontífice lhe respondeu que não tinha jurisdição sobre o inferno e que a pintura devia permanecer como estava.
Houve muitas outras críticas pela nudez das figuras, tendo culminado na campanha do Cardeal Gian Pietro Carafa, futuro papa Paulo IV, pela destruição do afresco do Juízo Final. Quando Paulo IV pediu para Michelangelo consertar o afresco, Michelangelo respondeu sarcasticamente:
“Diga a Sua Santidade que isso é uma mera ninharia e pode ser facilmente feito; deixe ele consertar o mundo, as pinturas são facilmente consertadas”.
A decisão de consertar a nudez no Juízo Final veio, finalmente, com a morte do artista, em 1864, quando o Concílio de Trento, então reunido, decidiu pela cobertura dos genitais dos personagens do afresco. O discípulo de Michelangelo, Daniele da Volterra, pintou as “braghe”, um nome genérico no italiano da época para designar calças, panos ou folhas de parreira pintados sobre os genitais. Por conta desse trabalho, Volterra ganhou o apelido de “Braghettone”.
A aparente confusão das figuras, que usa e abusa da torção dos corpos, usando a elipse tanto como recurso de composição geral como da flexão dos indivíduos, assim como a dificuldade que temos em distinguir claramente quem são os salvos e quem são os condenados, e a expressão dos personagens, aflitos, desesperados ou mesmo os eleitos, representados com uma apreensão inesperada, ao invés da felicidade que se esperaria de quem é salvo para a Eternidade, é geralmente atribuída à confusão desses tempos: estamos em plena Reforma Protestante, e a Igreja ainda não tinha começado o seu movimento de reação, a Contrarreforma; as tropas do rei Carlos V do Sacro Império Romano-Germânico haviam realizado o Saque de Roma, em 1527, algo impensável até há poucos anos antes, um evento que marca, como a reforma protestante, o início do fim da hegemonia católica sobre os reinos e impérios europeus.
Por isso a confusão e as expressões de desespero ou apreensão: não há mais certezas como na Idade Média, quando a Igreja era soberana não só sobre o reino do espírito, mas sobre o reino terreno. O mural de Michelangelo é um sinal dos tempos, e aponta para a ambiguidade, incerteza e marcação clara entre o bem e o mal, a luz e as trevas, que irão marcar o barroco europeu. Na verdade, Michelangelo praticamente fornece o vocabulário básico do barroco tanto com o seu teto ilusionista e suas composições retorcidas no Juízo Final.
E ao mesmo tempo que aponta para o futuro, ou ajuda a criá-lo, Michelangelo segue a tradição de representação católica quando chama para si, por conta de sua eloquência visual, a maior parte da nossa atenção quando olhamos para Capela Sistina. Ela é um resumo quase ideal da Bíblia, da Revelação divina para o Homem, do ponto de vista católico. Da criação do mundo até o seu fim, passando pela Queda e a Salvação até o Fim dos Tempos. Aqui estamos totalmente dentro da tradição cristã da catequese com imagens, cujo uso o papa Gregório Magno, no século VI, recomendou para que os analfabetos pudessem aprender sobre a História Sagrada, e que foi aplicada em todas as igrejas católicas que dispunham de imagens, até hoje.
Mas, na Capela Sistina, talvez tenhamos o exemplo máximo desse recurso de evangelização por imagens. Nunca a Bíblia foi tão bem resumida, nunca foi tão bem ilustrada, a ponto de nos maravilhar por séculos, até hoje, pela força narrativa, pelas expressões de humanidade, pela beleza das cores e das formas, pela articulação dos vários elementos que formam um todo harmonioso, monumental, impressionante, eloquente. Uma forma de narrativa visual que serviu de modelo e inspiração, de várias maneiras, para os artistas que vieram depois dos artistas geniais que decoraram a Capela Sistina.