Exposição “Into Nature”, de Virginia Welch – Texto do curador
OS MUITOS OLHOS DE VIRGINIA WELCH
Texto do curador da exposição “Into Nature”, de Virginia Welch, realizada no Espaço Expositivo da Câmara de Vereadores de Piracicaba, entre os dias 07 a 27 de maio de 2016
A arte de Virginia Welch conversa com a tradição europeia da arte antiga e moderna, arte brasileira e piracicabana, não deixando de expressar seus próprios pontos de vista, sentimentos e percepções.
Essa afirmação é óbvia quando tratamos de qualquer artista que mereça mais que um simples passar de olhos. A obviedade, no entanto, só se percebe quando os referenciais estão claros para todos. Em nossos tempos é necessário afirmar obviedades como quem anuncia algo novo, pois os fundamentos, as bases comuns de entendimento, precisam ser resgatadas do poço no qual foram lançadas, estrago feito por décadas de péssima educação formal e desvalorização do conhecimento e do saber em nosso país.
A cultura como uma conversa contínua entre obras de arte que debatem os temas comuns a todos os seres humanos: a vida, a morte, o amor, a inveja, o ódio, a guerra, a paz, a beleza, entre tantos outros – pressupõe conhecimento de outras obras de arte que lhe forneçam um interlocutor para um diálogo. Mas também é enriquecida pela experiência de vida direta com outros modos de pensar e agir, culturalmente diferentes dos nossos.
O diálogo permanente com a tradição artística, a literatura, a espiritualidade, a comunidade na qual vive, as culturas dos vários países pelos quais passou, é a tônica da mentalidade, do sentimento, da obra artística e da vida da britânica Virginia Welch, que adotou, com a família, o Brasil e a cidade de Piracicaba como lar.
Sua experiência de vida inclui moradia e passagens por vários países do mundo – Grã-Bretanha, Estados Unidos, França, Espanha, Marrocos, Suiça, e também várias cidades no nosso país, até chegar na Noiva da Colina e aqui fixar residência e ateliê. Passou por várias experiências artísticas, inclusive como professora. Experimentou técnicas diferentes – gravura, pintura em vários suportes e tipos de tinta, mosaico, escultura, instalações, constructos, desenhos, e outros.
Partiu da arte moderna em seu treinamento formal, na Suiça. Acabou fazendo o caminho inverso da maioria dos artistas brasileiros, olhando hoje para fundamentos estéticos próximos da arte renascentista, acadêmica, realista e de artistas como Henri Matisse e Henry Moore que ajudaram a inventar a modernidade mas são clássicos em seus fundamentos. Como eles, Virginia persegue a beleza mas não deixa de ser uma artista do nosso tempo.
Se olharmos para a obra de Virginia e estivermos dispostos a conversar com ela, podemos fazer uma viagem que começa com o preço do nosso tempo, empregado na simples contemplação. Se você possui referências artísticas históricas, irá se deleitar em encontrá-las, muitas; se não as possui, o deleite é possível a partir das cores fortes, espalhadas em grandes manchas, ou através do reconhecimento das formas e o quanto se distanciam, ou não, do “real” ali representado.
Dependendo do grau de atenção e tempo que cada espectador dedique a cada obra, podem se revelar camadas diversas das muitas que cada uma oferece: narrativa lógica (racional), aguçamento dos sentidos (perceptivo), evocação de sentimentos (emocional), referências a obras de outros artistas (histórico-cultural), etc. Dando tempo para que cada obra se revele ao olho interior de cada um, o sentido maior da narrativa pessoal pode surgir na conversa entre o que é representado (tema), a “viagem” imaginativa da artista (imaginação, criação artística) feita através da observação do real, suas lembranças (memória) manipuladas com cores e formas (uso dos sentidos) que brincam com a representação do real (narrativo / representativo / mimético).
Esse sentido maior é a narrativa que fazemos para nós mesmos a partir de uma folhagem pintada por Virginia: para ela pode ter sido uma folhagem do seu quintal, pintada de memória, na qual as cores partiram do observado mas que, sensorialmente, deram-lhe prazer ao acrescentar amarelos, vermelhos que não estavam nos arbustos originais. Para Virginia, pode ser a evocação de uma tarde agradável, na qual encontrou filhos e netos; para um de nós, pode fechar sentido na lembrança da casa de uma avó falecida há muito tempo; ou podemos ficar mesmo nos contrastes que instigam nosso olho e que traçam um movimento dos nossos olhos pela tela; ou ainda perdermo-nos nas formas barrocas das folhas. Cada um será tocado ao aceitar buscar um sentido para si a partir das propostas da artista.
Para aqueles que gostam de enxergar possíveis influências artísticas, talvez o ponto de partida mais evidente será Paul Gauguin, com suas manchas que partiram do raciocínio da tapeçaria e dos vitrais, o cloisionnisme. A abordagem visual de Virginia e sua relação com o tratamento do pintor francês do povo e paisagem do Taiti não passará despercebida. Os piracicabanos irão se lembrar da última fase de Joca Adâmoli, não quanto aos seus tons pastéis mas às suas grandes manchas, aplicadas com grandes espátulas, que sintetizam a paisagem de Piracicaba. As folhagens da britânica conversam com os vegetais de Matisse da fase dos papiers collés, como na obra “A Tristeza do Rei” (1952). A essas referências somam-se influências contemporâneas, de artistas de quem Virginia admira o trabalho, como o português Julio Pomar, o escocês Peter Doig e a britânica Cecily Brown. A escultura “Pedra-Pomba” é uma homenagem e referência amorosa à obra de Henry Moore.
A contemplação das obras aqui apresentadas revela os muitos olhos de Virginia Welch, olhos de quem viu muita coisa e que também revelam mundos insuspeitos. Como pensava Goethe, olhos que recebem mas que também emitem luz.
Fábio San Juan
Curador da exposição “Into Nature”
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