Apreciando esculturas (1) Michelangelo e Rodin
Apreciando esculturas (1)
Michelangelo e Rodin
por Fábio San Juan, professor de História da Arte
Partindo do princípio que nunca apreciamos uma obra de arte sem compará-la com outras (presentes na nossa memória ou no mesmo espaço físico), propomos a você um exercício: contemplemos, lado a lado, as esculturas “Pietà”, de Michelangelo Buonarotti (1475-1564) e “O Beijo”, de Auguste Rodin (1840-1917). Deixemos-nos levar pela apreciação de cada uma delas. O que elas têm em comum? O que as diferencia?
Estamos diante de dois dos maiores artistas da História Mundial da Arte, artistas que mudaram a escultura, cada um à sua maneira.
Olhemos primeiro a “Pietà”, realizada por Michelangelo quando tinha apenas 23 anos. É uma obra na qual podemos observar diversas características do período em que foi realizada, o Renascimento: equilíbrio, proporção, racionalidade. Resgatando a arte clássica da Antiguidade, Michelangelo perseguiu a anatomia perfeita e o ponto de vista ideal. Imaginem que essa escultura foi feita para ser vista de frente, para que de um golpe pudéssemos perceber que tudo repousa tranquilamente em seu devido lugar. As partes formam um conjunto coerente extraído de um único bloco de mármore. Michelangelo acreditava que suas obras estavam dentro do bloco e que cabia a ele retirá-las de lá, aos poucos. O entalhe direto no mármore, sem estudos prévios ou meios mecânicos de marcação no bloco, as libertava, como se o escultor lhes desse um sopro de vida. O homem divino que dava vida às suas obras conquistou o status de arte maior para a escultura, por defender que ela era uma arte racional, assim como a pintura e a arquitetura, e não apenas uma arte manual, como os artesões medievais a encaravam. A força de suas figuras humanas ultrapassaram sua época e influenciaram no século XIX o artista que realizou “O Beijo“.
Auguste Rodin, artista francês, acabou com um período de estagnação da escultura depois que a obra apaixonada de Michelangelo fora decomposta em fórmulas simplistas pela Academia, que as repetia sem entendê-las. O tratamento naturalista dado às figuras nas primeiras obras do artista e a estética do inacabado, que deixava parte do bloco rústico como se a escultura brotasse dele, causaram alvoroço na Academia Francesa. O artista passou a perseguir a fluidez do movimento, a beleza e a energia do corpo humano, partindo da observação direta do corpo, captado através de modelos rápidos em argila. Rodin nos propõe esculturas para serem vistas de todos os ângulos, para que o nosso olhar capte também o movimento do corpo.
“O Beijo” nos oferta diferentes relações de um mesmo movimento: múltiplos pontos de vista que nos mostram diversos instantes. Nas esculturas do artista francês é o espectador quem escolhe o ponto de vista ideal, aquele que ele considerar mais tocante e mais belo. Se a unidade do trabalho de Michelangelo se deve ao entalhe direto sobre um único bloco de mármore, trabalhado com a genialidade do criador que luta com a pedra, Rodin modelava os instantes fugazes e depois os transferia para o bloco. Temos dois caminhos abertos na escultura: a do entalhe que retira a pedra e revela figuras foi trilhado por Henri Moore, Brancusi e Maillol; e o da modelagem que adiciona argila e constrói o modelo visto, como fizeram também Bernini, Matisse e Giacometti.