COMO APRECIAR ESCULTURAS: “Pietá”, de Michelangelo e “O Beijo”, de Auguste Rodin

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Deixemos-nos levar pela apreciação de cada uma dessas esculturas, que de tão familiares por vezes nem as percebemos direito. O que elas têm em comum, além de serem grupos com duas figuras, um homem e uma mulher? O que elas têm de diferente além de uma expressar compaixão, e a outra, paixão?

por Catarina Landim e Fábio San Juan, publicado originalmente no jornal Portaberta.

Propomos um exercício de imaginação para iniciar uma conversa sobre escultura: imaginemos no mesmo local, a “Pietá”, de Michelangelo Buonarotti (1475-1564) e “O Beijo”, de Auguste Rodin (1840-1917).

Deixemos-nos levar pela apreciação de cada uma dessas esculturas, que de tão familiares por vezes nem as percebemos direito. O que elas têm em comum, além de serem grupos com duas figuras, um homem e uma mulher? O que elas têm de diferente além de uma expressar compaixão, e a outra, paixão?

Estamos diante de dois dos maiores escultores da História da Arte, artistas que perseguiram a representação ideal do corpo humano e mudaram a maneira da humanidade ver a escultura, cada um à sua maneira.

Olhemos primeiro a Pietá, realizada por Michelangelo em 1498-99, quando tinha apenas 23 anos. É uma obra na qual podemos observar diversas características do período em que foi realizada, o Renascimento: equilíbrio, proporção, racionalidade. Resgatando a arte clássica, Michelangelo perseguiu a anatomia perfeita e o ponto de vista ideal.

Imaginem que essa escultura foi feita para ser vista de frente, para que de um golpe possamos caminhar pelas linhas e ver o rosto tranqüilo da Virgem, percorrer o corpo de Cristo estendido em seu colo e chegar ao rosto dele. Parece que tudo repousa tranquilamente em seu devido lugar. As partes formam um conjunto coerente extraído de um único bloco de mármore.

Michelangelo acreditava que suas obras estavam dentro do bloco e que cabia a ele retirá-las de lá, aos poucos. O entalhe direto no mármore, sem estudos prévios ou meios mecânicos de marcação no bloco, as libertava do bloco, como se o escultor lhes desse um sopro de vida. O homem divino que dava vida às suas obras conquistou o status de arte maior à escultura, por defender que ela era, assim como a pintura e a arquitetura, também uma arte racional e não apenas arte manual, como na época dos artesões medievais que ofertavam seu trabalho a Deus nos canteiros de obras. O artista transformou o escultor em gênio criador e a força de suas figuras humanas ultrapassaram sua época e influenciaram no século XIX o artista que realizou o Beijo.

Auguste Rodin, artista francês, acabou com um período de estagnação da escultura depois que a obra apaixonada de Michelangelo fora decomposta em fórmulas simplistas pela Academia que as repetia, sem entendê-las. O tratamento naturalista dado às figuras nas primeiras obras do artista e a estética do inacabado, que deixava parte do bloco rústico como se a escultura brotasse dele, causaram alvoroço na Academia Francesa. O artista passou a perseguir a fluidez do movimento, a beleza e a energia do corpo humano, partindo da observação direta do corpo em movimento, captado através de modelos rápidos em argila. Instantes de beleza ideal captados como o fazia a máquina fotográfica que começava a ser difundida na Europa nessa época.

Rodin nos propõe esculturas para serem vistas de todos os ângulos, para que o nosso movimento capte também o movimento do corpo. O Beijo nos oferta diferentes relações de um mesmo movimento: múltiplos pontos de vista nos mostram uma cena onde a força do corpo masculino é entrelaçada pelo corpo sensual da mulher e não vemos mais do que pernas e dorsos, outra em que o beijo acontece inteiro sustentado pelo dorso masculino que protege a mulher ou outro em que vemos as mãos do homem repousarem sobre o corpo feminino sensual e entregue. Nas esculturas do artista francês é o espectador quem escolhe o ponto de vista ideal, aquele que ele considerar mais tocante e mais belo.

Se a unidade do trabalho de Michelangelo se deve ao entalhe direto sobre um único bloco de mármore, trabalhado com a genialidade do criador que luta com a pedra, Rodin modelava os instantes fugazes e depois os transferia para o bloco. Temos dois caminhos abertos na escultura: a do entalhe que retira a pedra e deixa a figura foi trilhado por Henri Moore, Brancusi e Maillol; e o da modelagem que adiciona argila e constrói o modelo visto, como fizeram também Bernini, Matisse e Giacometti.

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