Exposição “Redenção pela Arte”, de Ângela Sêga – Texto do curador

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Um voo da alma

Texto do curador da exposição “Redenção pela Arte”, de Ângela Sêga, realizada na galeria do Espaço Viveiros, em Piracicaba, SP, de 22 de agosto a 22 de outubro de 2015

Ângela Sêga é uma pintora que utiliza o seu trabalho como processo de auto-conhecimento. Sua coragem em expor as pinturas aqui presentes, produzidas entre 2010 e 2015, nos mostra uma das propriedades da Arte: a cura interior.

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Em seu caminho artístico, ela partiu da figuração, passou pelo abstracionismo geométrico, teve experiências com a figuração na modelagem.

Os trabalhos apresentados aqui são o reflexo de um período da vida da artista do qual ela está saindo. Houve, nesse período, uma implosão de várias influências, pessoais e artísticas. Estas nove pinturas não são somente a ilustração de uma reorganização interna, psíquica, mas também mostram que a reorganização dos elementos formais artísticos fizeram parte desse processo.

Ângela expressa na pintura atual um rompimento com a figura de seu pai, muito forte, pintor acadêmico extremamente racional e apegado à rigidez do desenho “correto”. Se por um lado o pai foi o exemplo onipresente da Arte, por outro foi a figura que a reprimiu, restringindo a sua expressão.

Por oposição ao desenho, Ângela escolheu a cor como seu elemento mais forte. Foi o recurso que também ajudou-lhe a manifestar seu lado feminino com mais força, tema implícito ou explícito em várias de suas obras.

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Outra figura masculina, mais tarde, apresentou à artista a possibilidade real da utilização da arte abstrata. Mais que a possibilidade teórica, que Ângela evidentemente já conhecia, esse pintor apresentou a ela um exemplo vivo do Abstracionismo geométrico como ferramenta de “explosão” da forma. Era possível então para Ângela libertar-se da “obrigação” de representar figuras da realidade visível. Era possível expressar-se com formas ideais, elementos formais puros como círculos, quadrados, linhas, para desapegar-se daquela influência dos primeiros anos que tanto a limitaram. Era, também, mais uma forma de usar grandes campos de cor, seu elemento favorito.

No trabalho atual, a pintora “implode” suas referências anteriores. “Implode” porque é para dentro que Ângela se dirige. Um processo depressivo é uma ocasião em que um círculo de sombra parece se abater sobre a pessoa. Ela utilizou esse espaço para olhar para o seu interior. Um desses olhares foi a pintura espontânea, abstrata, a forma não-racional, perceptiva e anterior à linguagem verbal.

Os argumentos apresentados são de reconstrução interna. As cores, aplicadas com espátula, finalmente libertaram-se da forma e podem brincar livremente. Nem sempre, porém, o processo é sereno. Muitas vezes é dolorido. Percebemos dor e alegria, riso e lágrimas. O resultado é sempre lírico; são poemas, não discursos verbais.

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A quebra dos padrões figurativos explode em pura cor, jorrando valores e matizes de forma aparentemente caótica. O tema feminino aparece aqui de forma indireta, traduzido nessas cores, a sensibilidade à flor da pele e de pelos eriçados combinados com momentos delicados, esfumados e passagens de cor.

O uso livre e sem freios da cor mostra-nos uma fase nova para Ângela Sêga. Ela alcança uma expressão própria, uma linguagem particular. A tradução desse momento em que plasma sua reconstrução interna em cores é algo muito belo, sem ser estrondoso. O feminino e a cor casam-se, numa harmonia perfeita, libertos do passado, prontos para um novo voo. Um voo da alma por meio das cores.

Fábio San Juan

Curador da exposição “Redenção pela Arte”

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